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RESENHA CRÍTICA DO TEXTO:

"EM DEFESA DO REGIME: AS REGRAS APLICÁVEIS ÀS SOCIEDADES LIMITADAS COMO UM CONVITE À INOVAÇÃO INSTITUCIONAL" (Autor: Carlos Portugal Gouveia)

Por Wallace Fabrício Paiva Souza

15 de fevereiro de 2018.

1 – Introdução

 

Como afirmado pelo autor, houve muitas críticas quanto às disposições do Código Civil (Lei n. 10.406/2002) referentes à sociedade limitada (arts. 1.052 a 1.087), muito em função do saudosismo com relação ao regime anterior (Decreto n. 3.078/1919). Muitas dessas críticas sequer são baseadas em levantamentos empíricos, mas se alegou que o atual regime enrijeceu excessivamente o funcionamento das limitadas.

O que se pretende demonstrar, então, é que o atual regime somente criou regras básicas (“cláusulas-padrão”), deixando aberto para os agentes criarem estruturas alternativas. Esse regime é um convite à inovação. Inclusive aqui, compara-se o regime legal das sociedades limitadas com o das sociedades anônimas.

 

Como trazido por Eduardo Goulart Pimenta (2017), a sociedade anônima é disciplinada por uma legislação extremamente rígida, detalhada, complexa e com poucas lacunas, vigorando a estrita legalidade no que tange à aplicação da legislação respectiva, havendo semelhanças até com o Princípio da Legalidade para a Administração Pública. Caso a lei das sociedades disponha uma conduta para os sócios, por exemplo, eles não podem adotar conduta diversa.

 

Essa estrita legalidade tem como fundamento o fato de que a sociedade anônima capta recursos no mercado e a massa dos acionistas, em regra, será composta por pessoas que não terão e nem pretenderão ter qualquer contato direto com a gestão da sociedade, querendo apenas o lucro com os dividendos ou compra e venda de ações. Em decorrência disso, deve haver um zelo pela integridade do capital investido.

 

E na Sociedade Limitada, como regra, há um agrupamento de interesses compostos por um número relativamente pequeno de pessoas que se conheceram e se confiam, tanto é que se dispuseram a dar origem à sociedade.

 

Considerando um número menor de quotistas, pressupõe-se que haverá um contato direto dos quotistas com o empreendimento e seus gestores. Logo, há mais informações para os quotistas fazerem suas escolhas e se regularem, falando-se numa maior simetria de informações. Inclusive, isso é respaldado na maior uniformidade no perfil dos integrantes da Limitada.

 

Nas Sociedades Limitadas há comunhão de interesses entre pessoas com similares graus de informação e capacitação técnica, facultando-se aos quotistas o poder de regular contratualmente seus interesses, como se verifica na legislação sobre contrato social, por exemplo, não fazendo sentido a estrita legalidade como na Sociedade Anônima. Prevalece aqui a autonomia privada.

 

O artigo inicia, então, com a apresentação de que o Regime das Sociedades Limitadas é um modelo inovador de governança corporativa (“cumpra ou inove”, contrariando o “cumpra ou explique”). Na segunda parte, serão analisadas as principais críticas quanto às limitadas, apresentando-se alternativas sem alteração legislativa, apenas com a alteração do contrato social. Após, será feita uma análise do processo legislativo de formação do atual regime legal. Na quarta parte, detalham-se as críticas apresentadas, trazendo exemplos práticos para a superação de críticas formalistas. Deve-se reconhecer a realidade econômica do Brasil e não só querer aplicar teorias estrangeiras. Esse debate é importante considerando o Projeto de Lei 1.572/2011, que pretende criar o Novo Código Comercial. Para o autor, recentemente que as questões das limitadas estão sendo mais debatidas nos tribunais superiores, de modo que não se deveria mudar a legislação por enquanto.

 

2 – O Regime das Sociedades Limitadas como Regime do Cumpra ou Inove

 

O movimento de governança corporativa teve sua fundação, em sua formação contemporânea, com o Relatório Cadbury, em 1991, após vários trabalhos na Bolsa de Valores de Londres buscando melhorias no sistema, já que alguns escândalos tinham mostrado a deficiência da legislação inglesa e inoperância dos órgãos reguladores.

Um dos princípios importantes nesse contexto foi o do ”cumpra ou explique”. A melhor forma de garantir uma boa administração seria por meio da transparência, então as empresas que não adotassem as práticas de governança corporativa teriam que justificar. O principal problema do mercado de capitais é a assimetria de informações entre os administradores e os investidores e entre controladores e minoritários. É claro que não deve ter uma transparência absoluta, sob pena de atrapalhar a competição pela inovação, mas se essas inovações representarem conflitos com os padrões de comportamento predeterminado, toda a sociedade deve ser informada. É importante destacar que já havia essa preocupação no Projeto de Lei n. 634/1975, que foi convertido no Código Civil de 2002.

 

No Brasil, o Regime das Sociedades Limitadas é para atender principalmente as sociedades de pequeno e médio porte, destacando a preocupação da Constituição com essas sociedades (art. 170, IX, CR). Antes, caso quisessem responsabilidade limitada para todos os sócios, tinham que constituir uma sociedade anônima, extremamente burocrática e complexa. Inclusive essa foi a razão de sua criação, sendo uma inovação que partiu da legislação para fomentar o mercado. Para os grandes grupos, a melhor forma societária seria a da Sociedade Anônima, mas no contexto de criação das limitadas, elas também podem se adequar para o grande.

 

Como citado por Mariana Pargendler (2013, p. 230), na Junta Comercial de São Paulo encontrava-se em 2013 as sociedades na seguinte proporção: 98,68% de limitadas e 0,95% de anônimas, ou seja, o legislador ao criar a limitada pensou muito bem. Inclusive se pegar as sociedades entre 100 milhões e 1 bilhão de capital, encontraram-se 737 limitadas e 743 por ações, ou seja, as limitadas atendem ao grande também.

Outro ponto interessante da pesquisa, analisando as sociedades limitadas constituídas entre 2002 e 2012, 80% eram formadas por 2 sócios, sendo 35% com os 2 sócios em igualdade de forças e apenas 33,8% com um sócio tendo de 99 a 99,9% do capital. Então, não é possível dizer que ela não atende a função para a qual foi criada.

 

Ainda que se considere as sociedade com sócios simbólicos, não são automaticamente “de fachada”, pois o sócio que investe menos capital pode estar fazendo um investimento de reputação, podendo ser chamado de sócio nominal. Inclusive, há várias consequências que podem existir em função do 0,1% no capital social, como a responsabilidade pela falta de integralização do capital por parte do outro sócio, ou em caso de uma desconsideração da personalidade jurídica.

 

O Código Civil, ao tratar sobre a sociedade limitada, trouxe várias cláusulas-padrão, que podem ser afastadas somente pelo contrato social, tratando do assunto de forma diferente. Então, no Brasil encontra-se o princípio do “cumpra ou inove”. Caso o contrato social não tenha nenhuma previsão diferente, deverá ser cumprido o Regime das Sociedades Limitadas trazido pela lei. Considerando que o objetivo é atender o pequeno societário e que há um custo na criação de um contrato social, a lei já trouxe as diretrizes básicas. Antes, que havia poucas disposições legais, havia um custo alto para a elaboração do contrato social. Comparando o regime anterior (Decreto n. 3.078/1919) com o Código Civil, nota-se a incompletude do regime anterior.

 

Houve, assim, uma redução dos custos de transação, pois a lei já resolveu algumas ambiguidades e omissões que poderiam ocorrer, mas isso sem impedir que grandes grupos econômicos pudessem utilizar a limitada também.

 

3 – Críticas ao Atual Regime das Limitadas

 

Embora o Regime das Sociedades Limitadas tenha dado certo, como se verificaram nos números, sendo o regime preferido das sociedades empresárias, ele não ficou isento de críticas, que parecem ter dois centros teóricos:

1) O novo regime teria eliminado a base predominantemente contratual que existia no regime anterior, aproximando da sociedade anônima com uma estrutura organicista ou institucional; e

 

2) O novo modelo teria se enrijecido, aumentando os custos operacionais para o empresário.

 

Para alguns autores, só o fato do novo regime ter mais regras já seria prejuízo para os empresários, por terem perdido liberdade contratual, e isso também tem causa na aplicação subsidiária das normas de sociedade simples ou anônima. Mas a hipótese é justamente o contrário, pois as cláusulas-padrão podem representar uma economia para o empresário, em especial o de pequeno porte. Segundo o autor, muitas das críticas não têm um embasamento empírico, dando-se tão somente porque mudaram o regime que existia.

 

Inclusive, quando se fala na aplicação das normas da sociedade anônima para as limitadas, sabe-se que deve ser uma opção dos sócios, então não há como falar que é uma limitação da autonomia da vontade. Veja-se o art. 1.053: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”.

 

No caso das limitadas terem se tornado mais burocráticas e complexas, os principais argumentos se dão em face da necessidade de realização de assembleia de sócios e das respectivas publicações. Ocorre que essa obrigatoriedade somente se dá para as sociedades com mais de 10 sócios (art. 1072, §1º, CC), e entre 2002 e 2012 não foi registrada sequer uma sociedade com mais de 10 sócios (PARGENDLER, 2013, p. 233). E essa obrigatoriedade entra porque quanto maior o número de sócios maior a possibilidade de se encontrar uma assimetria de informações e deve haver uma tutela do crédito com mais transparência e publicidade.

 

Outra crítica que se deu foi quanto aos quóruns qualificados, mas é razoável que se exija um quórum mínimo e um percentual mínimo representativo do capital social para aprovação de certas matérias (art. 1076, CC), notadamente os temas que envolvem a própria estrutura da sociedade e indicação/remuneração dos administradores. A experiência demonstra serem temas importantes para o bom andamento da sociedade, principalmente quando se trata de governança corporativa.

 

4 – História Legislativa Recente do Regime das Sociedades Limitadas

 

Apesar de muitas críticas por parte da doutrina, de 2002 a 2012 houve apenas uma alteração legislativa no Regime das Sociedades Limitadas, que foi a alteração do art. 1.061 do CC pela Lei n. 12.375/2010. Seu objetivo foi deixar claro que não seria necessário que o contrato social de uma sociedade limitada mencionasse expressamente a possibilidade de administradores não sócios. Segue o dispositivo: “A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização”. Houve outras alterações, obviamente, como no art. 1033 do CC, que trata do regime das Sociedades Simples, mas no Regime das Limitadas somente uma.

 

Para o autor, as alterações que precisam ocorrer são somente para correção de erros do processo legislativo que geram contradições e para evitar indefinições na jurisprudência que gerem algum tipo de insegurança jurídica. Eventuais alterações devem ser baseadas em levantamentos empíricos, e não somente em questões ideológicas.

 

5 – Exemplos e Sugestões de Inovações Institucionais no Regime das Sociedades Limitadas

 

O autor traz, assim, três exemplos de sugestões para superação das críticas.

 

5.1 – A Criação dos Conselhos em Sociedades Limitadas

 

O primeiro tema é a formação de conselhos de administração nas sociedades limitadas. A ideia originária da formação de conselhos é dividir o poder administrativo ou gerencial da sociedade, sendo uma evolução natural resultante da complexidade das sociedades. O conselho faz o papel de reduzir o poder de qualquer administrador individual para expropriar os acionistas investidores, tentando evitar conflitos de agência.

 

O objetivo é reduzir o poder dos administradores, e não dos sócios, e essa lógica deve ser aplicada nas sociedades limitadas obviamente. Então, caso haja a aplicação subsidiária da Lei de SA, ainda assim o Conselho não elegeria os demais administradores, em função do art. 1.076, II, CC. A interpretação deve ser restritiva, sempre no sentido de reduzir custos de agência e assimetria de informações.

 

Trata-se de um caso que ficará a cargo dos sócios escolherem ou não a existência do Conselho, reforçando sua liberdade de contratar e permitindo melhores práticas de governança corporativa.

 

5.2 – A Obrigatoriedade da Aprovação de Contas em Sociedades Limitadas

 

O segundo tema é a obrigação de realizar reunião anual para aprovação de contas, nos termos do art. 1.078, I, CC. Ocorre que a deliberação por meio de assembleia somente é obrigatória nas sociedades com mais de 10 sócios. Nas reuniões os sócios podem estabelecer o procedimento no contrato social, de modo que somente se aplique as regras da assembleia nos casos omissos no contrato (art. 1.072, §6º, e 1.079, CC).

 

O contrato social de sociedade com até 10 sócios pode dispor inclusive que não é obrigatória a deliberação sobre as contas, devendo cumprir apenas as disposições dos arts. 1.065 e 1.020 (fazer a escrituração e transmitir as informações aos sócios). E, aprovadas as contas ou não, os administradores são responsáveis por eventuais erros. Inclusive, aprovar causa mais prejuízo, pois caso haja algum erro é preciso anular a deliberação para eventual responsabilização.

 

5.3 – O Acordo de Quotistas e os Patamares Mínimos de Aprovação das Deliberações Sociais nas Limitadas

 

O terceiro tema é a possibilidade de superação dos patamares mínimos para aprovação de alterações no contrato social, alterações na estrutura societária ou nomeação ou destituição de administradores com base em modelos de deliberação previstos em acordo de quotistas.

 

É muito criticado o art. 1.076 do CC, principalmente por trazer o patamar mínimo de 75% de aprovação do capital social para alterações no contrato social. Qualquer quotista com 25% ou mais teria o poder de veto em decisões como alteração do endereço da sede ou do objeto social. Ocorre que os sócios podem prever, previamente, um acordo de quotistas para questões assim, sendo sua possibilidade fundamentada na aplicação subsidiária da Lei de SA.

 

6 – Conclusão

 

O regime atual das Sociedades Limitadas permite grande flexibilidade, atendendo às necessidades de empresas de pequeno e grande porte. Não se faz necessário um novo regime, tanto que não há dados empíricos que comprovem isso e a LTDA continua sendo a forma preferida dos empresários.

 

Quando se fala em excessiva rigidez do Regime das Sociedades Limitadas, afasta-se tal alegação porque podem existir soluções que sequer exigem a mudança legislativa, bastando um pouco de criatividade.

 

REFERÊNCIAS:

*BARBOSA, Henrique Cunha. Dissolução parcial, recesso e exclusão de sócios: diálogos e dissensos na jurisprudência do STJ e nos projetos de CPC e Código Comercial. In: AZEVEDO, Luís André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de (Coords). Sociedade Limitada Contemporânea. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 297-351.

 

*BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14/10/17.

 

*BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 14/10/2017.

 

*EIZIRIK, Nelson. A Lei das SA Comentada. V. III. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

 

*FERNANDES, Jean Carlos; SOUZA, Wallace Fabrício Paiva. A exclusão de sócios e seus aspectos polêmicos. In: COUTINHO, Sérgio Mendes Botrel; FIUZA, César; TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo (Orgs.). Liberalismo e Desenvolvimento. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.

 

*FERNANDES, Jean Carlos; SOUZA, Wallace Fabrício Paiva. A exclusão de sócios no Novo Cóigo de Processo Civil e a (des)necessidade de prévia deliberação societária. In: PERRUCI, Felipe Falcone; MAIA, Felipe Fernandes Ribeiro; LEROY, Guilherme Costa (Orgs.). Os impactos do Novo CPC no Direito Empresarial. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017.

 

*GOUVÊA, Carlos Portugal. Em defesa do Regime: as regras aplicáveis às sociedades limitadas como um convite à inovação institucional. In: AZEVEDO, Luís André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de (Coords). Sociedade Limitada Contemporânea. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 353-402.

 

*PARGENDLER, Mariana. O direito societário em ação: análise empírica e proposições de reforma. Revista de Direito Bancário e Marcado de Capitais, Vol. 59, 2013.

 

*PIMENTA, Eduardo Goulart. Direito Societário. Porto Alegre: Editora Fi, 2017.

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