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RESENHA CRÍTICA DO TEXTO:

“Teoria filosófico-dogmática dos sujeitos de direito sem personalidade”, de autoria do Professor César Fiuza

(Disponível em: <http://vetustup.files.wordpress.com/2013/05/teoria-filosofico-dogmatica-dos-sujeitos-de-direito-sem-personalidade-cesar-fiuza.pdf>)

 

 

Por Wallace Fabrício Paiva Souza

22 de maio de 2017.

 

 

O objeto principal do texto é tratar sobre entes que, embora não sejam pessoas, são tratados como se fossem, sendo exemplos o nascituro e a massa falida. O Professor César Fiuza pretende, então, responder as seguintes perguntas: Como explicar fenômeno do ponto de vista filosófico e dogmático? Como entender a personalidade? Seriam as pessoas os únicos sujeitos de direito?

Para isso, inicia seu texto mostrando a relação entre a Filosofia do Direito e a dogmática. Para a Filosofia do Direito, a personalidade não é algo natural, sendo uma criação do Direito. Para o humanismo jurídico, a pessoa é o primeiro elemento de qualquer relação jurídica, de modo que o Direito só faça sentido se a serviço da humanidade.

Na pós-modernidade, busca-se o reconhecimento do ser humano como núcleo de direito, mas em vários momentos históricos o ser humano foi tratado como uma coisa, mercadoria, citando como exemplo a escravidão.

Então, verifica-se que o conceito jurídica de pessoa humana não surgiu de uma hora para a outra, de forma natural, mas decorreu de uma construção árdua, e estudar essa evolução é de suma importância.

No sentido etimológico, pessoa significa a máscara utilizada pelos atores gregos em suas encenações, com o objetivo de dar eco às suas falas. Posteriormente, de máscara passa a significar o papel encenado, e depois evolui para a função ocupada pelo indivíduo na sociedade, mas nunca o indivíduo em si.

Como afirma o Professor César Fiuza, “é essencial ressaltar que nas sociedades antigas a incipiente noção de personalidade equivalia à de capacidade”. No Direito Romano, os homens ou eram livres ou escravos, de modo que os livres tinham personalidade jurídica. Além disso, o homem tinha que ser cidadão romano e chefe de uma família. A alteração de suas características alterava também o estado da pessoa. Encontram-se remotos indícios de proteção aos direitos da personalidade em Roma com a proteção contra a injúria, violação de domicílio e integridade física da pessoa.

No período clássico, a noção de pessoa era institucionalizada, de sorte que a noção de pessoa como subjetividade humana surgiu apenas com o Cristianismo, que trouxe uma ideia de igualdade perante Deus. Todo ser humano seria pensante.

Ainda no estudo da noção de pessoa dentro da história recente da Filosofia do Direito, afirma o Professor César Fiuza que é necessária a análise do antagonismo entre as vertentes jusnaturalistas e positivistas, sendo inegável a importância jusfilosófica do conceito de personalidade e os direitos a ela inerentes.

Os teóricos do Direito Natural concebiam os valores da pessoa humana independente de seu acolhimento por lei, mas os juspositivistas vinculam esses valores à lei, sem interferência de conceitos como justiça ou liberdade.

Na Idade Média, ainda sob a influência cristã, alguns direitos adquiriam a condição de superioridade, uma vez que teria sido inscrito pelo Criador. Santo Tomás de Aquina ressalva, no entanto, que a lei natural não é imutável, sendo flexível de acordo com a variedade das condições humanas. Imutáveis seriam as criações divinas.

Nos séculos XVII e XVIII vem o racionalismo, que defende a ideia de do antagonismo entre as vertentes jusnaturalistas e positivistas, sendo inegável a importância jusfilosófica do conceito de personalidade e os direitos a ela inerentes. O fundamento ainda é o Direito Natural, mas não é criação divina, e sim algo inerente ao homem.

Na Idade Moderna, expandiu-se a proteção aos direitos individuais com a finalidade de proteção perante o Estado, sendo Kant um pensador importante nesse contexto, quem admitia um direito natural de personalidade, compreendendo todos os direitos inatos do homem.

No século XIX, ganha força o positivismo jurídico, muito por conta da insegurança jurídica provocada pelo jusnaturalismo extremado. O positivismo jurídico toma a lei escrita como fonte quase exclusiva do Direito, sem se falar em juízos de valor, como a justiça. Isso seria do campo da Filosofia, e não do Direito. Um dos principais expoentes é o Kelsen.

No Direito Contemporâneo, critica-se bastante uma concepção legalista quanto à ideia de pessoa, principalmente quanto aos direitos da personalidade. Assim como o jusnaturalismo, o positivismo também se excedeu.

Como afirma o Professor César Fiuza, “hoje busca-se compreender a pessoa inserida numa comunidade, conciliando seus aspectos individuais e sociais, na tentativa de corrigir os excessos cometidos pelo exacerbado individualismo burguês”.

Pode-se dizer que hoje praticamente todos os Estados de Direito colocam o homem no centro, e isso demonstra grande evolução ao longo dos anos. Nesse contexto, fala-se na dignidade da pessoa humana, que diz que todo ser humano tem que ser respeitado e promovido como pessoa, sendo importante a igualdade e garantia de direitos, por exemplo.

Ocorre que a positivação de um direito à dignidade humana não é suficiente, sendo necessária sua verdadeira efetivação. Ainda que estejamos no século XXI, há situação como crianças sendo exploradas em minas de carvão no Vale do Jequitinhonha (MG).

 

“A pessoa humana é o princípio do Direito e a sua proteção é o eterno problema do Direito”, sendo a pessoa humana uma longa construção jurídica. E, além da pessoa natural ou física, há que se falar na pessoa jurídica, sendo ambas sujeitos de direito. No final das contas, verifica-se que ser pessoa é ser sujeito de direito.

 

Feita essa análise, o Professor César Fiuza passa para os entes sem personalidade, que não são pessoas, mas em determinados casos são considerados como se fossem. Possuem direitos e deveres.

 

Mas qual a natureza desses entes sem personalidade. Há a teoria da quase pessoa, isto é, como se fosse, embora isso não explique muito. Outra teoria, dos entes despersonalizados, estabelece que não possuem personalidade, o que também não explica a natureza. Há quem fala ainda na expressão grupos com personificação anômala, embora haja momentos que não tenha grupos de pessoas e passe a ideia de que a personificação foi adquirida de forma errada. Ainda há a nomenclatura ente de personalidade reduzida, todavia o que se pode admitir é a redução da capacidade, e jamais da personalidade. Por fim, entes de personalidade judiciária, porém isso independe do âmbito processual.

 

Por conta dessas inúmeras críticas às teorias, a expressão ente sem personalidade é a que descrevia razoavelmente melhor. A melhor tese para solucionar a questão é a dos sujeitos de direitos sem personalidade. Toda pessoa é sujeito de direitos, mas nem todo sujeito de direitos é pessoa, como o nascituro ou a herança jacente. Como explica Fiuza, “a partir da concepção de que a essência da personalidade é a qualidade de ser sujeito de direito, a partir daí, erroneamente, partiu-se do pressuposto de que só as pessoas seriam sujeitos de direitos”.

 

Sujeito de direitos é o titular de direitos e obrigações na ordem jurídica, e pessoa é muito mais, de modo que toda pessoa seja sujeito de direitos, mas não o contrário.

Após essa análise, o Professor Fiuza traz alguns casos para estudo. Iniciando pelo condomínio, que por questões de praticidade se pensa nele com personalidade distinta da dos condôminos. Mas o que é o condomínio? Ele é uma situação jurídica em que duas ou mais pessoas detêm os mesmos direitos e deveres de dono sobre uma mesma coisa, a um só tempo. Sendo assim, condomínio não é pessoa, é situação jurídica.

Pessoas são os condôminos. Não se invoca então a teoria dos sujeitos de direitos sem personalidade. O mesmo raciocínio se aplica para o espólio, sociedades de fato e órgãos públicos (Ex: Ministérios) ou privados (entidade mantenedora de uma universidade). Nesses casos, o que se faz é tornar mais prática a questão, com um representante legal no processo.

Invoca-se realmente a teoria dos sujeitos jurídicos sem personalidade nos seguintes casos: nascituro, herança jacente e massa falida. Aqui não são um grupo de pessoas representadas por alguém.

Quanto ao nascituro, o Código Civil é claro ao falar que ele não é pessoa, mas como ele tem direitos fala-se em sujeito de direitos sem personalidade. A massa falida, no mesmo sentido, consiste nos haveres e deveres do falido, que serão administrados por um síndico. O falido não é acionado. Para entender isso é realmente necessária a teoria dos sujeitos sem personalidade. A massa é um sujeito de direitos sem personalidade, que, apenas para efeitos práticos, é titular de direitos e deveres. O mesmo raciocínio se aplica para a herança jacente, que são os haveres e deveres de um morto que não deixou sucessores.

E o caso da família? No direito brasileiro não se trata de sujeito de direitos sem personalidade, embora alguns assim a tratem. Ela não possui direitos e deveres.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Como verificado ao longo do texto, de todas as teorias apresentadas sobre os entes sem personalidade como titulares de direitos e deveres, o Professor César Fiuza apresenta como melhor a dos sujeitos de direitos sem personalidade.

Para ser sujeito de direito, basta ter direitos e deveres na ordem jurídica, e o ordenamento atribui essa característica para quem não é pessoa também, como nos casos do nascituro, herança jacente e massa falida.

Com isso, resolve-se de maneira simples o que gera o debate entre vários doutrinadores, sendo interessante observar que alguns entes que se encontram na doutrina como sujeito de direitos sem personalidade na verdade não são, sendo uma mera forma de tornar mais prática uma relação que envolve muitas pessoas.

Como exemplo, cita-se o condomínio, que é uma situação jurídica em que duas ou mais pessoas detêm os mesmos direitos e deveres de dono sobre uma mesma coisa, a um só tempo. Sendo assim, condomínio não é pessoa, é situação jurídica, de modo que apenas os condôminos sejam pessoas. Não se invoca, então, a teoria dos sujeitos de direitos sem personalidade nesse caso, como também para o espólio, sociedades de fato e órgãos públicos ou privados.

Além disso, destaca-se a introdução do texto, demonstrando a evolução do conceito de pessoa, o que facilita extremamente a compreensão das teorias e atual conceito existente. Como afirma o autor, “de fato, o conceito jurídico de pessoa humana não nos foi concedido, mas arduamente construído. Estudar a trajetória jurídica da pessoa natural ao longo da história e da Filosofia constitui tarefa de grande importância”.

E, ao ler o texto, principalmente a introdução onde se demonstra uma evolução histórica do conceito de pessoa, veio a mente a evolução dos direitos fundamentais, de modo que se faça breves explanações. Alexandre de Moraes (2003, p. 59) traz a seguinte passagem em sua obra sobre a evolução dos direitos fundamentais também:

 

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.

 

Verifica-se, então, uma nítida construção dos direitos, de modo que a partir de cada conquista surgem novas necessidades. E assim como o conceito de pessoa propriamente dito, os direitos referentes às pessoas são construídos ao longo da história.

 

REFERÊNCIAS:

*BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 02/04/2017.

*BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 02/04/2017.

*FIUZA, César. Teoria filosófico-dogmática dos sujeitos de direito sem personalidade. Disponível em: <http://vetustup.files.wordpress.com/2013/05/teoria-filosofico-dogmatica-dos-sujeitos-de-direito-sem-personalidade-cesar-fiuza.pdf>. Acesso em: 15/05/2017.

*MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

 

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