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Resenha Crítica do Texto:

“A mitigação de prejuízos no direito brasileiro: quid est et quo vadat?”, de autoria de André Arnt Ramos e João Pedro Kostin Felipe de Natividade

(http://civilistica.com/a-mitigacao-de-prejuizos-no-direito-brasileiro/)

 

Por Wallace Fabrício Paiva Souza

15 de fevereiro de 2018

 

O texto “A mitigação de prejuízos no direito brasileiro: quid est et quo vadat?”, de autoria de André Arnt Ramos e João Pedro Kostin Felipe de Natividade, tem como propósito analisar as noções jurídicas de ônus, dever, obrigação e incumbência, para uma melhor discussão da mitigação de prejuízos. Ao final, conclui-se que posição jurídica subjetiva do credor ou da vítima em mitigar evitáveis prejuízos afigura-se como incumbência, estando diretamente relacionada à boa-fé objetiva.

 

Na Introdução, os autores iniciam mostrando que a posição jurídica ativa permite ao devedor em determinado caso solicitar ao credor reduzir seu próprio prejuízos, e isso é conhecido como dever de mitigar os prejuízos. Todavia, observa-se que essa expressão, que veio da tradução do duty to mitigate damages (ou loss) não foi traduzida de forma tão precisa, o que gera consequências práticas.

 

No primeiro capítulo, destacam os autores que “ônus”, “dever” e “obrigação” não se confundem. Sobre a “obrigação”, citando Judith Martins-Costa (2003, p. 48), sabe-se que “a relação obrigacional desenvolve-se como um processo, polarizado pelo seu adimplemento, que é o fim que a dinamiza e atrai. O fim da relação obrigacional é a satisfação do interesse de ambas as partes envolvidas na relação”, de modo que as partes devam adotar comportamento observando o fim que as aproximou.

 

No que tange a “dever”, ele “consiste na agregação dos operadores deônticos de obrigatoriedade e proibição a determinados enunciados prescritivos” (RAMOS; NATIVIDADE, 2017, p. 4). Destaca-se que inexiste um dever, em sentido técnico, de mitigação dos prejuízos.

 

Quanto a “ônus”, ele consiste em “vínculo imposto à vontade do sujeito em razão do seu próprio interesse” (GRAU, 1982, p. 181). Há diversos autores que qualificam a mitigação de prejuízos como um ônus do credor, porém ela seria algo a mais que um ônus.

 

Sendo assim, os autores concluem o tópico expondo que quando se fala da posição jurídica subjetiva, que faz parte de processos obrigacionais, há uma sujeição do credor a se empenhar em mitigar evitáveis prejuízos, o que pode ser tratado de uma melhor forma como incumbência de mitigar o próprio prejuízo.

 

No próximo tópico, no qual os autores buscam responder de onde vem a incumbência de mitigar o prejuízo, iniciam retomando que não existe obrigação, dever ou ônus, mas incumbência. Parte da doutrina, para responder a questão proposta, diz que a incumbência de mitigar o prejuízo decorre da contribuição recíproca de ambas as partes da relação obrigacional à ocorrência e à quantificação do resultado lesivo, mas isso não é suficiente, devendo a fundamentação da referida incumbência ser encontrada em fundamento que não a culpa. Considerando a regra da mitigação não é possível falar em concomitância de culpas, nem mesmo em identidade de danos.

 

Há quem coloque a causalidade como fundamento da incumbência de mitigar, sendo que um eventual ofensor responderia somente por danos que desse causa, pelo resultado lesivo que é consequência direta do seu comportamento. Caso haja um agravamento do dano por conta de desatendimento da regra da mitigação, será atribuído à própria vítima. Ocorre que a aplicação dessa teoria não encontra uma aplicação devida pela doutrina e tribunais. Como afirmam os autores, a “causalidade é efetivamente capaz de fundamentar a incumbência de mitigar, considerando, na hipótese, a existência de danos distintos, embora conexos: um imputável ao devedor (ofensor) e outro imputável ao credor (vítima), originados de causas também diversas” (RAMOS; NATIVIDADE, 2017, p. 10).

 

Outras teorias importantes para estudo são as teorias da equivalência dos antecedentes causais e a da causalidade adequada, de modo que a primeira implica no regresso ao infinito das causas ensejadoras do dano, e na segunda a investigação é realizada em abstrato, havendo um juízo de probabilidade observando as regras da experiência, porém há uma imprecisão, pois desconsideram demais circunstâncias importantes para o resultado no caso concreto. Como se nota, a incumbência de mitigar não se amolda a elas, e sim à teoria da causalidade direta e imediata. A incumbência de mitigar, assim, tem raízes na causalidade, mas é um conceito que precisa ser analisado com clareza.

 

Parte da doutrina ainda explica que a incumbência de mitigar os prejuízos observa a boa-fé objetiva, e considerar isso é dizes que as partes devem cooperar ainda que na hipótese de inadimplemento contratual. Há quem considere a mencionada incumbência como derivada da boa-fé objetiva, sendo um dever acessório. “A mitigação, assim, é a conduta proba, leal e cooperativa esperada da parte atingida pelo inadimplemento, pois beneficia não só ao credor, cujo dano não será agravado, mas ao devedor, de quem a reparação pelo agravamento não poderá ser exigida, promovendo, acima de tudo, a economia contratual” (RAMOS; NATIVIDADE, 2017, p. 14).

 

Mas a incumbência de mitigar se aplicaria às relações extracontratuais? A resposta é positiva, uma vez que se ampara na boa-fé objetiva, observados os arts. 422 e 187 do Código Civil.

 

Conclui-se, então, que é preciso trabalhar de forma mais clara a mitigação de prejuízos, como ocorreu no texto objeto desta resenha. É preciso trabalhar com seu enquadramento conceitual e sua razão de ser. Verificou-se que a mitigação do prejuízo representa uma incumbência, e não dever, ônus ou obrigação, e que sua razão de ser é a boa-fé objetiva, o que vale também para a esfera extracontratual.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Para ampliação do debate aqui proposto, é importante aprofundar um pouco mais no estudo do “duty to mitigate the loss”, citando o Enunciado n. 169 do Conselho da Justiça Federal: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. Destaca-se que esse enunciado foi inspirado no art. 77 da Convenção de Viena de 1980.

 

Por exemplo, se há um contrato de locação de imóvel urbano em que houve inadimplemento, há um dever por parte do locador de ingressar o mais rápido possível com a ação de despejo, para que a dívida não assuma valores excessivos.

 

Um julgado importante sobre o tema é o REsp 758.518/PR, presente no Informativo 439 do STJ:

 

DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano. 5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido. (REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010)

 

Destaca-se, por fim, a relação do “duty to mitigate the loss” com a cláusula de “stop loss”, sendo um tema analisado pelo STJ no Informativo 541, REsp 656.932/SP:

 

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO FINANCEIRA. FUNDO DE INVESTIMENTO. VARIAÇÃO CAMBIAL OCORRIDA EM 1999. PERDA DE TODO O VALOR APLICADO. CLÁUSULA STOP LOSS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CDC. RELAÇÃO DE CONSUMO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. MERO DISSABOR. 1. Por estar caracterizada relação de consumo, incidem as regras do CDC aos contratos relativos a aplicações em fundos de investimento celebrados entre instituições financeiras e seus clientes. Enunciado n. 297 da Súmula do STJ. 2. O risco faz parte do contrato de aplicação em fundos de investimento, podendo a instituição financeira, entretanto, criar mecanismos ou oferecer garantias próprias para reduzir ou afastar a possibilidade de prejuízos decorrentes das variações observadas no mercado financeiro. 3. Embora nem a sentença nem o acórdão esmiucem, em seus respectivos textos, os contratos de investimento celebrados, ficou suficientemente claro ter sido pactuado o mecanismo stop loss, o qual, conforme o próprio nome indica, fixa o ponto de encerramento de uma operação com o propósito de "parar" ou até de evitar determinada "perda". Do não acionamento do referido mecanismo pela instituição financeira na forma contratada, segundo as instâncias ordinárias, é que teria havido o prejuízo. Alterar tal conclusão é inviável em recurso especial, ante as vedações contidas nos enunciados n. 5 e 7 da Súmula do STJ. 4. Mesmo que o pacto do stop loss refira-se, segundo o recorrente, tão somente a um regime de metas estabelecido no contrato quanto ao limite de perdas, a motivação fático-probatória adotada nas instâncias ordinárias demonstra ter havido, no mínimo, grave defeito na publicidade e nas informações relacionadas aos riscos dos investimentos, induzindo os investidores a erro, o que impõe a responsabilidade civil da instituição financeira. Precedentes. 5. O simples descumprimento contratual, por si, não é capaz de gerar danos morais, sendo necessária a existência de um plus, uma consequência fática capaz, essa sim, de acarretar dor e sofrimento indenizável pela sua gravidade. 6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 656.932/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 02/06/2014)

 

Trabalhou-se, portanto, um tema de extrema importância, que precisa ser definido para que não haja incongruências nas decisões e análises doutrinárias.

 

REFERÊNCIAS

 

*BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 26/11/2017.

 

*BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 26/11/2017.

 

*CJF. Enunciados Aprovados – III Jornada de Direito Civil. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/III%20JORNADA%20DE%20DIREITO%20CIVIL%202013%20ENUNCIADOS%20APROVADOS%20DE%20NS.%20138%20A%20271.pdf/at_download/file>. Acesso em: 26/11/2017.

 

*GRAU, Eros Roberto. Notas sobre a distinção entre obrigação, dever e ônus. RFDUSP. São Paulo, v.77, 1982, p.177-183.

 

*MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil: do direito das obrigações; do adimplemento e da extinção das obrigações. Vol. V, t. 1. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

 

*RAMOS, André Luiz Arnt; NATIVIDADE, João Pedro Kostin Felipe de. A mitigação de prejuízos no direito brasileiro: quid est et quo vadat?. Disponível em: <http://civilistica.com/a-mitigacao-de-prejuizos-no-direito-brasileiro/>. Acesso em: 24/11/2017.

 

*STJ. REsp 758.518/PR. Rel. Min. Vasco Della Giustina, Terceira Turma, Julgado em 17/06/2010, Publicado em 28/06/2010.

 

*STJ. REsp 656.932/SP. Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, Julgado em 24/04/2014, Publicado em 02/06/2014.

 

*TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.

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